Pedro J. Nunes e o livro A pulga e o jesuíta

Luiz Guilherme Santos Neves

Eu tenho a leve suspeita de que se Pedro J. Nunes não fosse escritor seria jesuíta. E se Pedro J. Nunes fosse jesuíta seria da igreja dos Reis Magos de Nova Almeida. E se Pedro J. Nunes fosse jesuíta da igreja de Nova Almeida nem o Marquês de Pombal o teria tirado de lá.

Com esta introdução meio lúdica estou querendo realçar a apego que Pedro J. Nunes tem pela igreja de Nova Almeida.

Apego que pode ser comprovado no site Tertúlia capixaba, que Pedro mantém na Internet sobre autores e sobre literatura do Espírito Santo, onde está um naipe de fotos da autoria de Pedro sobre a igreja dos Reis Magos. Apego que também ficou evidenciado hoje, neste nosso debate-papo, com a exibição das fotos de Pedro Nunes sobre Nova Almeida e sua histórica igreja jesuítica.

Apego ademais que Pedro J. Nunes alardeia com aura de misticismo jesuítico ao escrever que “visito frequentemente a Igreja e Residência dos Reis Magos. Prefiro quando não há ninguém e meu lugar favorito é uma das grandes janelas que dá vista pros Reis Magos”. (extraído do site Tertúlia capixaba).

Não bastassem tantas evidências ainda nos sobra, para demonstrar o apreço de Pedro J. Nunes pela igreja dos Santos Reis, o livro de história infanto-juvenil A pulga e o jesuíta, que tem a igreja de Nova Almeida como foco-mor, e que nos reúne hoje nesta usina de cultura em que se transformou a Biblioteca Estadual sob a direção inovadora da professora Rita de Cássia Maia.

Mas aqui estou é para dizer que Pedro J. Nunes é escritor que se fez de palavra em palavra, ao longo de um auto-aprendizado da escrita literária em que não há complacência para consigo mesmo, nem para com a sua literatura. A si, como escritor, e a tudo que escreve, Pedro impõe o crivo de um rigor elevado ao quadrado.  

Este é o mal, que se torna um bem, dos escritores perfeccionistas como é o caso de Pedro J. Nunes. Nos seus textos nada é gratuito, no sentido de ser irrelevante ou displicente. Toda a sua obra, onde pontificam os romances Aninhanha e Menino, e o volume de contos Vilarejo e outras histórias, é trabalhada e re-trabalhada com afinco desde o nascedouro. Porque do nascedouro de um tema à sua conversão em obra, o tempo é o que menos importa para Pedro J. Nunes. Importa o processo criativo.

E este pode ser lento – e geralmente o é – para que o seu desabrochar em texto seja o que ele, autor perfeccionista, deseja que seja: perfeito.

Não foi por outro motivo que em entrevista concedida à jornalista Dona Oliveira (vejam o site panela literária) Pedro confessou com todas as letras: “Eu gosto dos meus livros!”

Tem que gostar mesmo porque ninguém melhor do que ele sabe o trabalho que lhe é exigido para que cada livro seu mantenha a excelência do livro anterior. E, curiosamente, é trabalho que não resulta em obra torturada, mas em que ressumam a limpidez, a leveza e a simplicidade de estilo.

A mesma escritora Dona Oliveira, na entrevista antes citada, teve a argúcia de perceber que Pedro J. Nunes é o prático da simpleza.

Foi um tiro na mosca porque a simplicidade, como estilo literário, é fruto do exercício da perícia, que pressupõe experiência, controle e domínio seguro do instrumental de que se vale o prático literário, na sua “praticância” textual.

Pois em Pedro J. Nunes, cada palavra que ele usa em seus textos, na aparente simplicidade com que aparece em cada frase, na transmissão de cada ideia, reveste-se de rigorosa precisão.

Pego A pulga e o jesuíta para exemplificar.

O livro é a história de um indiozinho pacifista que deseja conhecer a igreja de Nova Almeida e, ao mesmo tempo, promover a aproximação da sua tribo com os brancos. Ao se transformar numa pulga que se emaranha na barba de um jesuíta, o indiozinho, que é o narrador da história, consegue entrar na igreja, prestes a ser inaugurada, envolvendo-se numa aventura inusitada, onde não falta um namorico com uma indiazinha de mesma idade como contraponto da história.

Nessa aventura, o personagem aprende o que seja um ano – o que chamamos hoje de ano civil dos civilizados.

Ouçam como o índio-pulga relata este aprendizado que, em última análise, é o relato do autor da história com a extremada capacidade de ser preciso em sua narrativa:

“Aprendi que a palavra ano se refere a um período de doze luas. Não entenderam? Vou tentar explicar, embora isso seja muito complicado para mim.

De sete em sete dias, Jaci, a Lua, muda de rosto. Começa bem pequenininha, quase não se vê, depois fica arredondada, mas meio sumida. Em seguida fica igual a um pedaço de fruta mordida para finalmente surgir de forma que parece Aram, o Sol, só que durante a noite. Esse período de quatro luas diferentes se chama mês. Então, todas as vezes que Jaci parece o Sol da noite, completa-se um mês. A décima segunda aparição de Jaci dessa forma chama-se ano”.

Parece fácil escrever o trecho que acabei de ler, mas não é. A conquista da simpleza, que aí se denota, é o coroamento de uma busca rebuscada que leva a um achado textual com sabor de êxito.

Não é à toa que Pedro J. Nunes declara: “A  F-R-A-S-E! Eu persigo a frase. Por isso que eu demoro tanto a escrever”, o que levou Dona Oliveira a concluir que “Pedro passa suas obras por uma espécie de processo de vinificação. Escreve. Depois parte para a maceração, quando mói o texto. Deixa fermentar, chegando à forma que deseja”.

E prossegue Dona Oliveira: “Com A pulga e o jesuíta, obra premiada pela Secretaria de Cultura no ano passado, foi assim. Maturou quinze anos na cabeça. Escreveu ininterruptamente em uma semana. Considera sua melhor realização”.

Eu, que aqui estou como pulga na balança para a saudação ao autor neste nosso debate-papo, tive a prerrogativa de ler os originais dessa outra pulga que saltitou na mente de Pedro durante quinze anos. Já na fase final da redação me dizia Pedro que a estava destinando ao concurso da Secult. De forma que, ao ser a primeira classificada na categoria infanto-juvenil, a colocação alcançada não me surpreendeu.

Como não me surpreendeu a etapa seguinte, de preparação do livro para publicação.

O perfeccionismo do autor levou-o a cair de queixo numa navegação Internet afora para selecionar possíveis ilustrações para o livro.

Acompanhei este trabalho globe troter de pesquisa, do qual Pedro me deu ciência. Como acompanhei também a elaboração, pelo próprio Pedro J. Nunes, do belo projeto gráfico que ele fez para o seu livro.

O produto final aqui está: uma joia de obra destinada aos leitores juvenis, mas em que qualquer adulto pode tirar casquinha, com muito bom proveito. Porque livro infantojuvenil quando é bom agrada a leitores miúdos e graúdos.  

Foi trabalho beneditino o que Pedro fez, como autor que ama a sua cria?

Prefiro dizer que foi trabalho tenaz e dedicado de um verdadeiro jesuíta, no exercício da sua catequese literária.

Palestra proferida na Biblioteca Pública do Espírito Santo em 26 de maio de 2011.

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