Ainda sobre A última noite

Pedro J. Nunes

Este é meu segundo livro de contos. O primeiro foi Vilarejo e outras histórias, lançado em 1992, hoje na sexta edição. Um período de 23 anos entre um volume e outro pode motivar suposições. Antes que alguém as faça, apresso-me com a justificativa de que minha principal razão para esse hiato é a de que já se escreve muito, e muita vez sem necessidade. Platão disse muito acertadamente que os tolos falam porque têm que dizer algo. Então, como nada tinha a dizer, posto me ache um tolo, não disse. Mesmo entre meus demais livros, que incluem três romances, um livro infantojuvenil e uma reportagem histórica, houve um lapso que justifica minha isenção. 

O volume de contos A última noite surgiu de diversas ideias que, dentre as anotadas durante esse período, sobreviveram às goradas. Talvez tenham o mérito da resistência. Em tributo a elas, creio que deva dar a meu livro algum crédito. Decidi publicá-lo depois de sucessivas reescrituras, com a esperança de que não faça mau papel entre aqueles que se dispuserem a lê-lo. 

Aí vão meia dúzia de histórias inéditas e uma já publicada em antologia que deu com os burros n’água. Precede-as um prólogo que é metade ficção e quase a outra metade também. De modo que não me ficaria mal chamá-lo com muita liberdade conto descritivo.

Alguns fatos atam essas histórias.  

Um deles é que aconteceram no bairro Assunção, um local fictício localizado a noroeste da ilha de Vitória, capital do Espírito Santo, e em locações reais dessa cidade. Se digo reais, digo-o pedindo muita licença à semântica e à cidade, pois que nada pode ser real no reinado da ficção. Abro o parêntese. Para os que apreciam as distinções, outra marca entre este livro e Vilarejo é que neste o espaço é o interior, a roça, o ermo, enquanto que em A última noite todos os contos são extremamente suburbanos. Naquele estão os lugares inominados, neste está Assunção, ou Assunção de Nossa Senhora, o lugar que criei para colocar os dramas de minhas personagens. Fecho-o, abrindo outro. Minhas personagens ainda não aprenderam a andar em calçadas limpas ou frequentar lugares iluminados. O mundo urbano é sofisticado demais para elas. Seu espaço ainda é o da sujeira e da miséria. O lugar delas é Assunção, onde a vida é dura e as soluções, extremas. Fecho definitivamente.  

O segundo fato é que estes contos falam de como se ama em Assunção. Apesar da precariedade do meio, todos os contos contam histórias de amor e paixão e suas derivações, o que, a essa altura, dá ao livro o direito de ser lido como um romance fragmentado.  

Certamente haverá outros fatos, mas prefiro deixá-los por conta dos leitores que se dispuserem a ler este volume. 

Tenho consciência de que minha literatura tem preferido a contramão. Enquanto a maioria dos escritores do meu tempo e do meu lugar tem optado por outros temas, minha escolha tem sido a miséria, a submissão, a precariedade. Julgamentos equivocados me preocupam. Um deles é a de que coloco em minha obra, desde o romance Aninhanha, cujo tema é o lixo, inclusive interior, certa preocupação social. Nada mais equivocado. Há um abismo entre o escritor e o cidadão sobre o qual não cabe nenhuma ponte. É que não posso aceitar a hipocrisia, e para mim seria hipócrita aproveitar-me desses temas para dizer que estou envolvido politicamente e, cheio de banho e alfazema, deitar-me em lençóis limpos com a porta bem trancada. Por isso gostaria de enfatizar que esses temas têm sido eleitos porque são aqueles que mais se têm mostrado a mim, e não porque desejo fazer deles um exercício equivocado de posicionamento em favor de quem quer que seja. Reconheço, no entanto, que minha responsabilidade termina aqui, o que não quer dizer que os leitores não possam fazer o uso que quiserem daquilo que exponho em minha curta obra, que inclui este livro que espera merecer de quem se disponha a lê-lo alguma simpatia, alguma condescendência. 

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