Cultural, 1995
126 páginas, 21cm
"Mulheres - diversa caligrafia" será lançado hoje na Livraria Logos
Eles formam uma confraria de intelectuais. A bebida preferida é o café, e mulher é o papo predileto. E a conversa "fiada" do grupo nas manhãs de sábado na livraria Logos, da Praia do Suá - local em que se reúne há cinco anos -, acabou rendendo um escrito: Mulheres - Diversa Caligrafia. Adilson Vilaça, Francisco Grijó, Luiz Guilherme Santos Neves, Pedro J. Nunes, Reinaldo Santos Neves, Renato Pacheco e Sebastião Lyrio colocaram no papel, em forma de contos eróticos, a visão masculina - deles - da mulher. O livro tem lançamento marcado para hoje, às 18h30min, na Logos da Praia do Suá.
A ideia do trabalho partiu de Pedro J. Nunes e prontamente foi aceita pelo grupo. "A linha tinha que ser contos eróticos, mas não pornográficos", lembra o idealizador. "Estávamos devendo ao Espírito Santo uma boa dose de sexo", diz Grijó, com ironia. Luiz Guilherme ameniza e observa que o livro trata a mulher com carinho e respeito: "É um exercício de amável erotismo". Na verdade, Mulheres é, antes de tudo, um livro machista, na opinião dos próprios autores. "Tem uma visão machista porque é a visão de sete machos", arremata Grijó, para completar em seguida: "Mas é um machismo comedido, porque é medroso."
A partir daí a confraria fica em polvorosa. Os contos são machistas? Mas não tanto, por que então seus autores ficaram com tanto medo? De que ou de quem? As opiniões divergem. Pedro J. Nunes sai em socorro da obra: "Alguns contos sim, outros não são machistas. E é um machismo medroso porque o livro é provinciano, como se os autores se sentissem limitados pela ilha de Vitória."
Renato Pacheco, sempre em tom professoral, explica: "A mulher está para nós como objeto de narrativa", e completa: "Ela é a criadora e a destruidora da narrativa." O apaga-chamas Pedro Nunes toma, de novo, a frente: "Não houve intenção de ser machista. Acontece que a história e o desenvolvimento da trama foi pedindo tais posturas." Grijó, outra vez, troca a brandura pela alfinetada: "As escritoras capixabas escrevem sobre mulheres. Bernadete Lyra, Deny Gomes, Neida Lúcia e Lacy Ribeiro constroem personagens femininas com menor fragilidade que os masculinos."
Luiz Guilherme, sempre observador, dá a sua deixa para encerrar a polêmica: "Na verdade, com esse livro estamos falando de nós homens. Estamos nos abrindo e nos colocando." E as mulheres, como receberão este trabalho? Grijó, mais uma vez, toma a dianteira: Com uma certa decepção. Estão esperando uma fêmea alucinada hormonalmente e vão encontrar uma leitora de Capricho, uma vestal. Mas nem por isso existe a assexualização."
Definição para as mulheres é o que não falta a este grupo de intelectuais, apesar de todos concordarem serem elas indecifráveis. "A mulher é como o sábado. É uma ilusão", discorre Grijó. Renato Pacheco prefere ficar com uma explicação oriental, no yin e yang, dizendo que "homem e mulher se completam." Mas, por que as mulheres são sempre assunto das todas masculinas? Uma pergunta complicada para o grupo, e novamente as opiniões divergem sem que se consiga uma opinião unânime, com todos "escorregando" nas respostas.
Quanto ao fato de o grupo (originalmente formado por sete integrantes, mas que hoje comporta até 15 "literatus") ser um "clube do Bolinha", eles discordam. Afirmam que algumas mulheres já apareceram para os cafés de sábado e, inclusive, fazem questão de ressaltar que a escritora Bernadete Lyra foi chamada a participar do Mulheres, mas recusou o convite. "Esse grupo tem uma relação intra-específica harmônica. Mas as mulheres neste grupo não são inaceitáveis", coloca Grijó. "Elas são sempre bem-vindas", resume Pedro Nunes.
O historiador Renato Pacheco observa que essa separação em grupos, entre homens e mulheres, é cultural. "Essa separação faz parte de uma verve do brasileiro. É por isso que elas não entram em nosso grupo. Mas não estão sendo proibidas." Os participantes da confraria lembram que o papo deles não é somente sobre mulher e sexo, apesar da confissão de Francisco Grijó: "Falar sobre sexo é falar sobre tudo. O Eros é a origem da vida. O sexo é sempre o assunto da mesa, em quase todas as suas formas."
Se "prato principal" dessa confraria é mulher/sexo, será que o intelectual vê a mulher diferente de um homem iletrado? Ou, o que realmente difere nessa visão do desejo, da admiração? Renato Pacheco responde pelo grupo, afirmando que os intelectuais velam a vulgaridade, enquanto os iletrados são mais diretos. "Essa sofisticação vocabular só serve para esconder o que os outros falam abertamente. Se você raspar a casca, o diálogo é tão chulo como o dos não intelectuais", finaliza.
A mulher sempre serviu de inspiração às criações do homem. Poetas e compositores, cientistas e escritores, pintores e desenhistas. Na vida desses criadores das artes, a esfinge feminina foi muitas vezes a centelha de inspiração para trabalhos famosos e eternos. Abaixo, algumas dessas virtuosas criações sob o ápice da mulher:
MUNDIAL
Mona Lisa - Leonardo da Vinci
Ana Karenina - Tolstoi
Gilda - Personagem do filme homônimo interpretada por Rita Hayworth
Scarlet O'Hara - Personagem de E o vento levou...
NACIONAL
Luiza - Tom Jobim
Gabriela - Jorge Amado
Iracema - José de Alencar
Helena - Machado de Assis
Amélia - A "mulher de verdade", de Mário Lago
LOCAL
Karina - Virgínia Tamanini
Marly - Do cartunista Milson Henriques
Sabendo que parte do conteúdo de Mulheres - Diversa Caligrafia é machista, a escritora Lacy Ribeiro foi enfática: "Esses meus amigos escritores, se não malditos, são machistas. Onde já se viu um escritor que não seja machista?" A autora de Avenida República e Contos Bastardos, conhecida por sua franqueza, completa em seguida: "Me sinto humilhada como escritora e como mulher."
Para Lacy, "parece" que foi declarada uma guerra dos sexos na literatura capixaba, entre escritores e escritoras. "Essa coisa de machismo e feminismo na literatura não pode existir", observa, lembrando logo depois que os autores da terra rendem elogios às mulheres, mas com ranço machista. Sobre a tradicional reunião dos sábados que resultou em Mulheres, Lacy desabafa: "Só espero que não se transforme num Grupo dos 13, de Belo Horizonte."
Sempre preocupada em não polemizar, Lacy ressalta que não está subestimando o talento de ninguém:
"O que me irrita é encarar a mulher como objeto de vida." Para a escritora, existe uma "panelinha" machista entre os professores da Ufes, que adotam seus livros entre si. "Por cavalheirismo, já que são machistas, eles deveriam convidar as escritoras para seus eventos. Será por que não sou professora da Ufes? Não vejo nenhuma manifestação de carinho", desabafa.
Mulheres - Diversa Caligrafia (128 págs.) é uma edição da Cultural-ES. Apresenta sete contos: Carinhos de Solidão Lilás (Adilson Vilaça), Todos os Poemas para Thereza (Francisco Grijó), Alegres Noites na Casa de Dom Barão (Luiz Guilherme Santos Neves), Mariposa Noturna em Veranico de Maio (Pedro J. Nunes), Juliana e Dom Jorge ou com Perdão da Má Palavra (Reinaldo Santos Neves), Dedé Caetano (Renato Pachedo) e Anjos, Morcegos etc. (Sebastião Lyrio).
Segundo prefácio de Roberto Mazzini, o livro "delineia os eternos temas da renúncia, do amor confrontado com novas necessidades materiais de consumo, dos ardis, da oposição prazer/morte, da trama clássica envolvida na escuridão de alcovas com portas que rangem nos gonzos, no tema do tempo que flui e destrói o sensível, mas não atinge o mundo inteligível do universo platônico, das misteriosas esquivas determinadas pelos meandros da alma feminina ou dos resultados de uma forte repressão."
Adilson Vilaça: o jornalista e escritor Adilson Vilaça é mineiro de Conselheiro Pena. Várias vezes premiado, publicou os livros: A Possível Fuga de Ana dos Arcos, Espiridião e outras Criaturas, Purpurina, Trapos e Albergue dos Querubins.
Francisco Grijó: capixaba de Vitória, é professor e escritor, tendo publicado Diga Adeus a Lorna Love, Um Outro País para Alice e Com Viviane ao Lado.
Luiz Guilherme Santos Neves: professor aposentado, advogado e escritor, nasceu em Vitória. Publicou: A Nau Decapitada, As Chamas na Missa e A Torre do Delírio.
Pedro J. Nunes: é de São José do Calçado e mora em Vitória há 14 anos. Funcionário público e escritor com Aninhanha e Vilarejo e Outras Histórias.
Reinaldo Santos Neves: escritor e funcionário público nascido em Vitória, é autor de As Mãos no Fogo, Crônica de Malemort, Sueli e Má Notícia para o Pai da Criança.
Renato Pacheco: magistrado, professor e escritor, tem publicado, entre outras obras, A Oferta e o Altar, Vilão Farto e Cantos de Fernão Ferreiro e outros Poemas Heterônimos.
Sebastião Lyrio: médico e escritor, é natural de Vitória e publicou Tigre de Papel e Nada de Novo sob o Neon.
Matéria publicada em A Gazeta - Caderno Dois - terça-feira, 14 de novembro de 1995.